Friday, October 19, 2007

O buraco negro

Vô Homero estava de volta. Foram dois anos de sumiço. A família tinha apelado para todos os recursos possíveis, da polícia ao Pai de Santo do bairro e nada. Nem pista. Vó Zulmira já parecia conformada, mas, por via das dúvidas, conservava sempre acesa uma vela para o negrinho do pastoreio na frente da foto do casamento. Evitava-se falar no assunto, principalmente na frente de estranhos e das crianças.

A ausência do tio aparecia vigorosa em algumas ocasiões. Principalmente nas macarronadas de domingo que ele tanto gostava.

Aos 72 anos tomou chá de sumiço, sem qualquer explicação. Esta era a frase padrão que tentava resumir a situação e encerrar o assunto constrangedor.
Uma amante? Nesta idade parecia fora de questão.
Teria ganho na loteria e ido morar na Itália como sempre dizia? E porque não levou a Vó Zulmira?
Isso não combinava com seu caráter. O máximo que ele fazia de errado era roubar no jogo de truco e espiar, por cima do muro, os peitos da vizinha estendendo a roupa.
–Olhar não tira pedaço, dizia a Vó Zulmira, fingindo não se importar.

Alguns parentes mais jovens apostavam na tese de abdução.
Agora, lá estava ele, de pé no centro da sala, com um sorrisinho de satisfação no canto da boca.
– Tu não trocou de roupa esse tempo todo, Homero? Foi a primeira frase da Vó Zulmira ao ver o marido que apertava o chapéu amassado contra o peito.
Vô Homero ampliou o sorriso, feliz com a certeza de que nada tinha mudado.

Ele parecia bem, apesar de pálido, um pouco mais murcho e enxovalhado.

-Apontou pra faxineira: essa ai não está limpando a casa direito, foi o que falou, quando todos esperavam uma explicação.

Ele tinha ficado louco, diziam os olhares silenciosos. Era melhor não perguntar nada agora.
– Ela só limpa onde passa o padre e ninguém aqui fiscaliza, insistiu o vô Homero, com certa irritação na voz.

Tradicionalmente, o patriarca da família tinha o hábito de implicar com as faxineiras. Jucélia, no entanto, ele nem conhecia. Tinha começado a trabalhar na casa depois de seu desaparecimento.

Trouxeram bolo de milho e suco de uva. Ele recusou: acabei de comer um pedação de pizza.

-Tu não pode comer essas coisas Homero, repreendeu a Vó Zulmira. Ataca a úlcera.
–Hoje foi o que apareceu de novo lá.
A chance de perguntar alguma coisa sobre o acontecido surgiu.
-Lá aonde?alguém arriscou.
-No sofá -cama.

-Que sofá?

-Esse aqui da sala. Era lá que estava este tempo todo.
–Dentro do sofá-cama?

-É. No início foi difícil, mas depois me acostumei. Não é tão ruim assim. O que cai de coisa lá dentro, dá pra viver bem.

Vô Homero explicou que tinha caido no espaço entre o encosto e assento do sofá-cama da sala.
– Foi a quando Olga sentou.

Olga era Irma da Vô Zulmira. Muito gorda, ao sentar ampliou o buraco por onde Homero caiu, vivendo lá por quase dois anos.
– Mas não era muito apertado vô?

-Só quando a Olga vinha visitar e ficava sentada olhando a novela e chorando.

-Coitado!

-Coitados do Tom o do Gerry, ela sentava sempre do lado deles.

-Tinha mais gente lá?

-Dois mórmons que cairam seis meses depois de mim.

-Pensei que eles tinham nos largado de mão.

-Que nada. Ficaram tentando me converter este tempo todo...acabei ensinado truco pra eles.

Homero ia assim relatando seu exílio involuntário no interior do Sofá-cama, o buraco negro. Todas as coisas perdidas, certamente, estavam lá.

Ao final das narrações fazia questão de frisar:
– Se a Jucélia limpasse a casa direito, teria me encontrado bem antes.

critério

A candidatura da Gretchen e Rita Cadillac
mostra que agora o critério é mais embaixo.